Eu sou um rapaz do campo.
Nasci em Paris mas os meus pais vieram para o Cartaxo quando eu tinha seis
anos. Morámos sempre rodeados de vinhas, pomares, hortas, porcos, galinhas, coelhos,
cabras e até vacas. No verão nadava no tanque da água; no inverno desenhava na
lama rios imaginários; na primavera comia laranjas diretamente das árvores; no
outono abrigava-me na casa da árvore que eu próprio construí. Era uma
existência feliz, cheia de brincadeiras, desafios, descobertas malucas, paz e
tranquilidade. Depois de estudar, arranjei emprego em Lisboa e fui muito feliz
no meu apartamento com vista para o Tejo, para o estádio de futebol do Vitória Futebol Clube e para a linha de comboio que, lá ao longe, transportava milhares
de pessoas pela linha de cintura.
Circunstâncias da
vida levaram-me a reflectir e a ponderar a hipótese de regressar ao passado. Pesei
as hipóteses, fiz contas à vida e decidi voltar às origens. E aqui estou, no
topo de um monte, numa pequena casa também virada para o mesmo rio, um pequeno
campo de futebol lá em baixo e, coincidência, com o comboio a passar a uns 500
metros de distância.
Mantenho a ligação à
cidade, onde vou sempre que preciso de me reencontrar com amigos, ir ao cinema
ou às compras. Só que agora tenho espaço para poder acolher uma cadela
resgatada de um canil que saltita feliz sempre que chego do trabalho; na rua
toda a gente me cumprimenta, mesmo não me conhecendo; à noite vejo um céu negro
vivo, pintado de estrelas brilhantes; e com sorte consigo ver alguns pirilampos.
Já não os via há tantos anos! Mas uma das melhores vantagens é a possibilidade
de ter uma pequena horta. Já semeei ervilhas, cenouras, morangos, alhos,
cebolas, alho francês, batatas, couve lombarda, couve brócolo, rúcula e cinco
variedades de feijão: encarnado, catarino, manteiga, frade e preto. Fui
plantando um pouco aqui, mais ali, algumas sementes acolá e, aos poucos, fui
construindo um ecossistema verdejante.
Há que sublinhar que
nada disto surgiu de um dia para o outro. O terreno estava abandonado, as ervas
grassavam por todos os cantos, havia desníveis acentuados e todo o trabalho
teria que ser feito à mão. No entanto, era um desafio que eu queria abraçar.
Fazia todo o sentido naquela fase da minha vida.
Foi em dezembro que
dei as primeiras cavadelas. Aos poucos, tudo se foi compondo. Dividi o terreno
em pequenas parcelas e fui depositando na terra grãos de todas as cores e
feitios, esperando dia após dia que os primeiros rebentos surgissem à
superfície. Houve pequenas derrotas ao longo do percurso, porém, é com essas
falhas que se constrói um projeto melhor. Aprendi a respeitar distâncias entre
covas, a compreender os ciclos da lua para plantar os alhos, a manter a
quantidade certa de terra sobre as sementes e a ter cuidado na rega dos
morangos. As batatas não ficaram enormes mas tenho suficientes para os próximos
meses e os morangueiros percebi que só no próximo ano poderei ter uma boa produção.
E isto é que é belo na natureza: o respeito pelo tempo. Aprendi a ter paciência.
Se correr mal, então só para o próximo ano. Numa sociedade consumista ao tutano
é um bálsamo poder respirar fundo.
Depois há os
sucessos: deixei de comprar cebolas, alfaces, alhos, batatas, morangos, limões,
couves, espinafres e daqui a uns meses terei outros produtos para conservar. A
minha mãe acha um pouco exagerada toda esta minha dedicação. “Para quê gastar
tanta água? Vais ao supermercado e compras alhos para um mês por tuta e meia”.
Só que o objectivo não é poupar dinheiro! O que me apraz é a satisfação do
desafio cumprido, de ver brotar do solo o resultado do meu labor. Cada fruta e
legume é meu, foi conseguido por mim. É um feito pessoal. Cansa? Sim. Demora?
Sim. Mas nada na vida é de borla.
I'm a countryside boy. I was born in Paris but my parents came to
Cartaxo when I was six years old. We lived always surrounded by vineyards,
orchards, vegetable gardens, pigs, chickens, rabbits, goats and even cows. In
the summer I used to swim in the water tank; in winter I drew imaginary rivers in
the mud; in the spring I ate oranges directly from the trees; autumn was the
perfect time to play in the tree house I built myself. It was a happy life,
full of games, challenges, crazy discoveries, peace and tranquility. After I study
I got a job in Lisbon and I was very happy in my apartment overlooking the
Tagus river, with a view to the football stadium and with
the railway line in view distance, carrying thousands of people every day .
Circumstances of life led me to reflect and to consider the possibility
of returning to the past. I weighed the chances, did accounts and decided to go
back to basics. And here I am, on top of a hill, in a small house also that faces
the same river, a small football field down there and, coincidentally, with the
train line, half a mile away. I keep the connection to the city where I go whenever
I need to meet with friends, go to the movies or shopping. But now I have space
to host a rescued dog that skips happily every time I arrive from job; on the
street everyone greets me, even not knowing me; at night I see a living black
sky, painted bright stars; and hopefully I can see some fireflies. I have not
seen them for so many years! But one of the best advantages is being able to
have a small vegetable garden. I already sowed peas, carrots, strawberries,
garlic, onions, leeks, potatoes, savoy cabbage, broccoli sprouts, arugula and several
varieties of beans: red, butter, friar and black. I was planting a little here,
more over there and even some more right there. Little by little I was building
a green ecosystem.
I must emphasize that none of this came suddenly. The land was abandoned;
herbs raged everywhere; there were steep slopes and all the work had to be done
by hand. However, it was a challenge I wanted to embrace. It made sense at that
stage of my life.
I started work in December. Gradually, everything was composing. I divide
the land into small plots and I put on earth grains of all colors and sizes,
waiting day after day that the first shoots emerged from surface. There were
small losses along the way, however, those are the failures that build a better
me. I learned to respect distances between holes, to understand the cycles of
the moon to plant garlic, to keep the right amount of land above seeds and to know
how to water strawberries. The new potatoes are not huge but I have enough for
the next months and the strawberries I realized that only next year I can have
a good production. And this is what is beautiful in nature: the respect for
time. I learned to be patient. If it goes wrong, well then only next year you
can try again. In a fast food society this is a balm that’s helps me breathe deeply.
And, of course, there are successes: I stopped buying onions, lettuce,
garlic, potatoes, strawberries, lemons, cabbage, spinach and in a few months I
will have other products to save. My mother thinks a bit exaggerated my
dedication. "Why spend so much water and time? You go to the supermarket
and buy garlic for a whole month for a few cents". But my goal it is not
to save money! What pleases me is the satisfaction of having fulfilled a challenge,
to see the result of my labor. Each fruit and vegetable is mine, was achieved
by me. It is a personal win. Tired? Yes. It takes time? Yes. But nothing in
life comes for free.
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