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Amor de irmão

Brother’s love




Nunca vou esquecer o dia 18 de fevereiro de 2000. Eu era um gajo de 23 anos que dividia o tempo entre um emprego como empregado de mesa, num restaurante chinês, no Cartaxo (uma história para contar outro dia), e as aulas de jornalismo, em Lisboa. A minha mãe tinha 46 anos, o meu pai era uns anitos mais velho e em Faro estudava a minha irmã, dois anos mais nova. Éramos uma família a preparar-se para uma revolução improvável. Eu ia ter uma irmã nova. Um bebé iria surgir na nossa vida.
Senti o impacto da notícia uns meses antes, estava eu a calcorrear a Europa num interrail (outra história para contar um dia destes), quando decido telefonar para casa a dar notícias. Ia ficar durante a noite numa pousada de juventude em Verona, uma das cidades mais bonitas de Itália, e tinha acabado de jantar no meio de australianos, norte-americanos e uma mexicana. Levantei-me da mesa, pus-me na fila da cabine telefónica e, à minha vez, disquei o número. Esperei pelo sinal e ao fim de poucos segundos ouvi a minha mãe atender. Havia cansaço na voz, exaustão e algum alheamento. Ela estava em todos os sítios menos ali, comigo. “Mãe, que se passa? Parece estranha”. É claro que tentou negar, desviar o assunto, inventar desculpas, mas nós conhecemos a nossa família, certo? Insisti e voltei a insistir. Houve uma pausa, silêncio, o respirar fundo e depois a frase que viria a mudar a minha vida para sempre: “o que achas de vir a ter mais uma irmã?” Olhei para o teto, para o chão, recordo-me de olhar para os frescos nas paredes do salão e de pensar como eram bonitos e virar-me de costas a perscrutar o tamanho da fila atrás de mim. No verão de 1999 o facebook ainda não tinha sido inventado, a internet era embrionária e os telemóveis caros. As cabines telefónicas como aquela eram a única ligação para o resto do mundo.
Foi um notícia brutal a centenas de quilómetros de distância. Não havia alguém a quem apoiar-me, rir, contar a novidade. Era eu, o telefone, os turistas estrangeiros e a noite em Verona. O que se faz perante isto? O que se diz? Aliás, mais importante, como vai ser tudo dali para a frente? “Mãe, o que importa é que corra tudo corra bem e que sejas feliz” disse, ainda assoberbado.
É claro que tendo sido uma gravidez inesperada, a minha mãe passou por uma enorme convulsão psicológica. Dois filhos criados, o dia a dia organizado e agora um rebento a acordá-la de duas em duas horas? É claro que a gravidez foi vigiada e ao longo de todo o percurso a família esteve a seu lado. Correu tudo bem, é o que importa. Não obstante todas as óbvias preocupações, o futuro parecia agora diferente. Era preciso prepararmo-nos para a vinda de um novo ser. Mas como se faz isto? Eu queria sair de casa, ir trabalhar para Lisboa; a minha irmã sonhava em ganhar dinheiro e planeava emigrar; os meus pais só queriam paz e sossego. A resposta é simples: ninguém sabe. Na minha família aceita-se a vida como ela é. Por isso, tudo continuou na mesma. Enquanto a minha mãe aumentava de volume, a minha irmã estudava e o meu pai trabalhava, eu seguia com a minha vida. Até que chegou o dia D.
A Marta, assim se chama a boneca lá de casa, nasceu de cesariana. Foi tudo planeado, por isso fui trabalhar e fui visitar a minha mãe depois de ter acordado da operação. Saí do restaurante ainda a cheirar a chop suey, crepes de legumes e a arroz chao chao. Ia à procura da minha família feliz. Subi até ao décimo piso do hospital de Santarém, procurei pela minha mãe e ali fiquei junto à cama dela. Ela era a minha preocupação fundamental. Uma mulher de 46 anos a dar à luz, apesar de cada vez mais vulgar, contém inúmeros riscos. Fiz perguntas, ajudei-a a beber água pela palhinha (a minha mãe estava a soro e bastante dorida com o impacto da cirurgia) e ali fiquei alguns minutos enquanto esclarecia as minhas dúvidas e acalmava os meus medos. Até que, agradecida mas também pasmada, a minha mãe pergunta: “então e não queres ver a tua imã?” Irmã? Como? Quem? O quê? Ah, sim, pois é! Eu tenho uma irmã nova! Mas, tipo, coiso, tal, hum, pois… se calhar devia ter pensado nisso mais depressa… Enfim, o subconsciente tem muito que se lhe diga. Soltei uma gargalhada e fui à procura da enfermeira que me levou até ao berçário.
E, pronto, foi aí que tudo mudou e me apaixonei. Ela estava no último berço, ao fundo da sala, junto à janela. Dormia pacificamente, com as mãos minúsculas juntinhas perto do queixo, e uma enorme massa de roupa e mantas sobre ela. Que ser tão frágil, belo e único. A Marta transformou-me como nunca conseguirei explicar. Não tenho filhos, por isso a minha única explicação é que talvez ela tenha preenchido um lado meu adormecido: o de amor incondicional. Era um sentimento que nunca me tinha perpassado. Hoje sou uma pessoa melhor graças à Marta.


I'll never forget February 18th of 2000. I was a 23 year old guy that divided the time between a job as a waiter in a Chinese restaurant in Cartaxo (a story to tell another day), and journalism classes in Lisbon. My mother was 46 years old, my father was a couple more years older and my two years younger sister was studying in Faro. We were a family preparing for an unlikely revolution: I was going to have a new sister. Even today the impact of the memory moves me.
A few months before, I was travelling throughout Europe with an interrail pas (yes, another story to tell latter on) when I decide to call home. In the summer of 1999 there was still no facebook, internet and mobile phones, although already existed, were expensive. I would stay overnight in a youth hostel in Verona, one of the most beautiful cities in Italy, and had just had dinner in the middle of Australians, Americans and a Mexican. I got up from the table and waited in queue for the phone booth. In my turn I dialed the number, waited for the tone and after a few seconds I heard my mother answer. There was weariness in his voice, depletion and some aloofness. "Mom, what's wrong? You seem strange". Of course, she tried to deny, deflect it, made excuses, but we know our family, right? I insisted several times. There was a pause, silence, a deep breath and then the phrase that would change my life forever: "what do you think of getting another sister?" I looked at the ceiling, to the floor, I remember looking for the frescoes on the walls of the room and thinking how beautiful they were and turn my back to peer into the size of the queue behind me.
It was brutal news as I was a thousand or so kilometers away. What do you do after this? What do you say? And, most importantly, what will happen in the future? "Mom, what matters to me is that everything goes well with you and that you are happy" I remember saying, still overwhelmed.
Of course, as an unexpected pregnancy, my mother underwent a huge psychological upheaval. Two children raised, the pension on the horizon and now a baby to wake her up every two hours? Of course, the pregnancy was monitored and the family stayed by her side along the way. It went well, that’s what matters. Bu, despite all the obvious concerns, the future looked different now. It was necessary to prepare for the coming of a new human being. But how we do this? I wanted to leave home, find a job in Lisbon; my sister dreamed of making money and planned to emigrate; my parents just wanted peace and quiet. The answer is simple: no one knows. In my family we accept life as it is. So everything remained the same. While my mother increased volume, my sister was studying, my father worked and I pursued with my life. Until the D day came.
Marta, it’s her name, was born by cesarean section. Everything was planned, so I went to work and I went to visit my mother after she woke up from the operation. I left the Chinese restaurant still smelling noodles, spring rolls and Chinese rice. I was In the way to meet my new happy family. I went up to the tenth floor of the maternity yard, I looked for my mother and stayed besides her for a couple minutes. She was my primary concern. A 46 years old woman to give birth, although increasingly common, still takes many risks. I asked questions, I helped her to drink water through the straw (my mother was pretty sore after the impact of surgery) and talked to her for a few minutes while I clarified my doubts and calmed my fears. Until, although grateful but also dumbfounded, my mother asks: "Antonio, do you want to see your little sis?" Sister? How? Who? What? Oh yes! I have a sister! But, like, hum, duh ... maybe should have thought of it sooner, right? Anyway, who understands the subconscious? Spread a big laugh and went looking for the nurse who took me to the nursery room.
And then that's when everything changed in my life and I fell in love. She was sleeping peacefully, with tiny hands close to each other near the microscopic jaw, and a huge mass of clothes and blankets on her. She looked so fragile, beautiful and unique. Marta transformed me. I have no children, so my only explanation is that maybe she has filled one side of me still asleep: the unconditional love. It was a feeling that had never felt. Today I am a better person thanks to Marta.

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