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O que custa é descer

Difficult is to go down






Subir é duro. É uma luta constante contra as leis da física. Pé ante pé, respiração ofegante e o coração a sair-nos do peito. Olho para cima a cada minuto, talvez segundo, à espera que o topo esteja já ali, ao virar da próxima curva. “Falta pouco”, garante o guia. Tenho a sensação de que ouvi “falta pouco” demasiadas vezes na última hora e meia. Eu gosto de andar, a sério. Acho que é a melhor maneira de conhecer o mundo e há sítios que só valem a pena percorrer a pé. É o caso da montanha do Pico, o ponto mais alto de Portugal territorial, situado na ilha do Pico, no arquipélago dos Açores. Porém, para quem faz isto com pouca frequência é uma subida que parece demorar uma eternidade. Mas a paisagem vale o esforço e o final é apoteótico.
Partimos da Casa da Montanha, a 1100 metros de altitude, ao início da manhã, no ponto oficial para o começo do passeio que dura um dia inteiro. É possível escalar os cinco quilómetros de trilho sozinho, até porque o percurso é simples e está marcado com postes de betão. Só que o nevoeiro frequente, os ventos fortes, a chuva repentina, as diferenças de temperatura e a inclinação do terreno aconselham a que se leve alguém com conhecimentos de sobra. Eu ia com uma menor de 14 anos, por isso tive que seguir as regras. Na Casa da Montanha paga-se uma taxa de visita de €2,5, se for através de um circuito turístico já comprado, ou de €10, caso vá sozinho (a). Em troca, é nos fornecido um rastreador GPS. Água, protetor solar, comida e estamos prontos para a aventura.
A subida é feita pelo lado oeste com o porto de Madalena lá em baixo, Faial pelas nossas costas, e, a norte, a ilha de S. Jorge. Tivemos sorte e durante todo o dia só vimos o sol e nuvens esparsas que pintaram o céu e foram importantes para marcar a altitude: não é todos os dias que se vêem as nuvens de cima. A vegetação rasteira, sobretudo de líquenes, arbustos e ervas baixas, permite apreciar ainda mais tudo o que nos rodeia. O mar acompanha-nos ao longo de toda a caminhada e o silêncio também. A calma é surpreendente. Nada mais se ouve a não ser o vazio do ar. Não há carros, motorizadas ou outras pessoas a não ser o nosso grupo de dez pessoas. O cansaço deixa pouco lugar para a conversa que é ocasional e é sempre possível afastarmo-nos e admirar tudo no meio da imensidão da encosta. É sublime. Sentimos, literalmente, que estamos no topo do mundo. A perfeição estética de toda a ilha, que se pode apreciar num passeio de barco, sente-se in loco: as cores dos prados são pontilhados de gado a preto e branco; antigas caldeiras esbatem-se ao longo das encostas, vestígios de tempos turbulentos são como os anéis da terra; e há ainda o contraste entre os dois tons de azul, do céu e do mar, que se separam no horizonte, numa linha perfeita e infinita. Tudo é bonito e deslumbrante. Fazemos pausas para virar as costas à montanha para recuperar o fôlego e olhar à volta. “Estás a ver lá em baixo, Marta?” Aponto para o pedaço de mar que separa o Faial do Pico. “Aquele pontinho é o barco que nos trouxe para a ilha. Parece tão pequeno, não é?” Vejo a minha irmã sorrir e sinto-me feliz por estar ali com ela, em paz, a mostrar-lhe como o mundo é grande.
As passadas vão se tornando mais lentas e sofridas. Há algumas desistências, gente que, por força da idade, é obrigada a reconhecer o cansaço. “É preferível que assim seja”, confidencia-me o guia, homem experiente, de 45 anos, que faz isto todas as semanas. “A descida é muito pior e há pessoas que simplesmente não aguentam a caminhada. E eu prefiro transportar a sua irmã às costas do que uma senhora de 80 quilos”. Fico ali por um momento a vê-los voltar para trás. Lamento a decisão e digo adeus enquanto o guia passa por mim: “vá, falta pouco”. Juro que começo a odiá-lo.
Ao fim de quase três horas lá chegamos à cratera do vulcão, quase 2300 metros acima do nível do mar e a quase cinco quilómetros do fundo do oceano. A zona tem quase 700 metros de diâmetro e é composta sobretudo por rocha sendo usada como ponto de abrigo para campistas que decidem passar a noite no topo da montanha. A experiência, dizem, é mais completa porque é possível apreciar o pôr do sol e o amanhecer de uma forma surpreendente.


Falta cumprir o último troço: subir o Piquinho ou Pico Pequeno, uma pequena elevação de 70 metros de altura que brota da cratera do lado este e que é mais recente do ponto de vista geológico. É como que a cereja no topo do bolo. Após uma pausa e de barriga cheia, retomamos a caminhada. A partir daqui é preciso escalar rocha e ter cuidado com as pedras que se podem soltar sob os pés de quem vai mais acima. Começam a surgir pequenos pontos de saída de calor e entre algumas reentrâncias emanam nuvens de vapor de enxofre. O vulcão ainda está oficialmente ativo e, de acordo com os entendidos, é certo que, no futuro, toda a montanha irá abater com uma enorme erupção. Foi o que terá acontecido a todas as ilhas, antigos vulcões, que abateram e formaram ilhas. O Pico, com o seu cume afiado espera pela implosão que o faça ficar mais parecido com as suas congéneres. Esperemos, porém, que ainda falte muito para que isso aconteça.




E depois de apreciar tudo aquilo há que regressar, agora sempre a descer. Só pode ser canja, certo? Não, errado. Quem disse que “para baixo, todos os santos ajudam” nunca subiu ao Pico de certeza. Com os músculos já cansados da subida, o corpo começa a dar parte de fraca. Os quadríceps suportam o impacto do peso do corpo e a meio do percurso começa a ser complicado andar. Surgem dores em zonas onde não sabia que existiam músculos e que nunca me tinham doído antes. Será da velhice? Caramba, só tenho 38 anos! Depois de quase seis horas a apreciar o mar, o verde da paisagem, o azul do céu e o silêncio da montanha, já nada me anima. A minha irmã saltita de rocha em rocha, leve como uma pena. Sim, deve ser da idade, admito. O guia passa por mim quando aproveito para recuperar forças, me agacho, ponho as mãos nos joelhos e inspiro profundamente. “Vá, falta pouco!”. Ele só pode estar a brincar comigo.

To go up is very difficult. It is a constant struggle against the laws of physics. Tiptoed, hard breathing and feeling almost like the heart is pumping out of the chest. I look up every minute, maybe second, waiting for the top to be there, just around the next bend. " We’re almost there", says the guide. I have a feeling that I heard "almost there" too often for the last hour and a half. I like to walk, seriously. I think it's the best way to see the world and there are place only worth it to go on foot. It’s the case of Pico Mountain, the highest point in Portugal, situated on the island of Pico in the Azores archipelago. But for those who do it infrequently is a climb that seems to take forever. But the landscape is worth the effort and the end is an apotheosis.
We start from the House of the Mountain, 3600 fett above sea level, in the early morning, the official point to the beginning of the tour that lasts an entire day. It is possible to climb the five kilometers of rail alone, because the route is simple and is marked with concrete poles. But the frequent fog, strong winds, sudden rain, the temperature differences and the slope of the land advise us to take someone with plenty of knowledge. I went with a minor under 14 years, so I had to follow the rules. In the House of Mountain it’s necessary to pay € 2,5 fee, if through a tourist circuit already purchased, or €10 fee if you go alone. In exchange, it is provided a GPS tracker. Water, sunscreen, food and we are ready for adventure.
The climb is made by the west side with Madalena harbor below, Faial behind our backs, and, to the north, the island of St. George. We were lucky and all day we only saw the sun and scattered clouds that painted the sky and were important to mark the altitude: it is not every day that we see the top of clouds. The undergrowth, especially lichens, shrubs and low herbs enables us to appreciate even more the landscape. The sea accompanies us throughout the walk and the silence too. It is so quiet and amazing. Nothing is heard except the empty air. There are no cars, motorbikes or other people unless our group of ten. Fatigue leaves little room for conversation which becomes very casual and you can always move away and admire all the immensity. It is sublime. We feel, literally, that we are on top of the world. The aesthetic perfection of the whole island, that you can enjoy in a boat ride, it is felt here: the colors of the meadows are dotted with black and white cattle; old boilers are blurred along the slopes, traces of turbulent times are like the rings of the earth; and there is there’s always the contrast between the two shades of blue, sky and sea, which are separated on the horizon in a great, infinite line. Everything is beautiful and stunning. We stop several times, just to turn our back to the mountain to catch our breath and look around. "You see down there, Marta?" I point to the piece of sea that separates the Faial from Pico. "That speck is the boat that brought us to the island. It seems so small, isn’t it? "I see my sister smiling and I feel happy to be there with her, alone, to show her how big is the world.
The more we climb, the slower and painful becomes the steps. There are some dropouts, people who by virtue of age, are required to recognize fatigue. "It is better to do so" admits the guide, experienced man, 45, who does this every week. "The descent is much worse and there are people who simply cannot stand until the end. And I'd rather carry your sister on my back than an 176 pounds woman”. I stand there for a moment to see them turn back. I’m sorry for the decision and I say goodbye while the guide returns to the path: "We’re almost there". Are we really? I have my doubts.
After nearly three hours we reach the crater of the volcano, almost 7500 feet above sea level and almost 16000 feet from the ocean floor. The area is nearly half a mile in diameter and is composed mainly of rock and is used as a resting point for campers who decide to spend the night there. The experience, they say, is more complete because you can enjoy the sunset and sunrise in a surprising way.
There’s the last bit: Piquinho or Pico Pequeno, a 229 feet high rock rise that comes out from the east side of the crater which is newer in a geological point of view. It's like the icing on the top of the cake. After a break and a full stomach, we resumed walking. From here you must climb rock and be careful with the stones that can drop under the feet of those who go up. Sometimes, between rocks, emerges small heat outputs of heat and among some recesses there’s sulfur emanating in vapor clouds. The volcano is still officially active and, according to the experts, it is certain that in the future, the whole mountain will blow up with a huge eruption. That's what has happened to all the other eight islands, ancient volcanoes, which were swept away and formed the  islands. Pico, with its sharp ridge, is still waiting for an implosion so that she can become more like their counterparts. Hopefully, though, we hope it will take several millions of years.
And after enjoying all that it is time to return, now it is always down. It can only be a piece of cake, right? No, wrong. With the muscles tired of the climb, the body begins to weaken. The quadriceps support the impact body weight and in the middle of the route begins to be complicated to walk. Pain arise in areas where I never felt before and in muscles I did not know that existed. Is it because I’m old? Heck, I’m only 38! After nearly six hours enjoying the sea, the green landscape, the blue sky and the silence of the mountain, nothing excites me anymore. My sister hops from rock to rock, light as a feather. Yes, it must be an age problem. The guide passes by when I take a moment to regain strength, I crouch, put my hands on my knees and take a deep breath. "We’re almost there” he says. He can only be kidding me.

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