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Brincar era uma arte

Play ain’t a art anymore


Está quase. O ritual repete-se, goste-se ou não. Milhões de crianças em todo o mundo vão rasgar papel de embrulho às toneladas para descobrir o que vão receber este natal.  Só o mundo dos videojogos movimentou, em 2014, mais de 100 mil milhões de euros em todo o mundo. Consegue imaginar? São as aplicações dos telemóveis e toda a parafernália de bugigangas, desde os jogos de tabuleiro, às bonecas de todas as formas e feitios, passando pelos carros, terminando nos aparelhos eletrónicos. É mundo cheio de cor, aventura, delícias, sonhos, paixões e faturas que deixam qualquer pai de cabelo em pé. Mas ainda há quem se lembre do passado. Para estes velhinhos, o ontem é bem diferente do hoje. “Nem toda a gente tinha dinheiro para comprar presentes. Uma vez por ano, na feira é que, muito raramente, comprávamos um boneco ou um carrinho… e pouco mais”, recorda Joaquim Agostinho, com 71 anos de vida. Tem duas filhas e dois netos com quem brinca muito, só que o contraste que sente é imenso. “O mais velho, de quatro anos, tem uma caixa enorme, cheia de brinquedos”, diz, abrindo muito os braços. “A minha filha diz que são tantos que ele perde a noção. Os putos, hoje em dia, têm demasiado”, desabafa. Em 1956, com 12 anos, adorava fazer azenhas. Basta imaginá-lo, junto a um ribeiro, numa altura em que as águas ainda eram límpidas e cristalinas. Durante várias horas dedicou-se à construção de uma miniatura feita de canas, paus e arames. Objetos que recolheu aqui e ali e que uniu, pensou, imaginou e montou. Esforçou-se, enganou-se, corrigiu, voltou a tentar e… conseguiu. Tocou na nora com a ponta dos dedos e começou a imaginá-la a funcionar com a água a correr pela meia cana até aos pequenos alcatruzes fazendo-a girar. Pousou o fruto do seu trabalho junto à represa e viu todo o seu plano em ação. O rosto iluminou-se e o coração pulou mais depressa. De repente, lembrou-se de produzir música: cortou uma pequena agulheta que colou junto à roda. Trac! Trac! Trac! E assim os minutos transformaram-se em horas.
Este é um cenário pintado a preto e branco para uma realidade que, hoje, consideramos irreal. De facto, em pouco mais de meio século, o mundo mudou tremendamente. Os hábitos de vida moldaram-se às tecnologias e necessidades individuais: as mães passaram a trabalhar; a escola aumentou a carga horária; os automóveis são em grande número; a violência e o roubo assustam qualquer um; os pais passam menos tempo em casa; e a luta pela vida é desenfreada. O mercado adaptou-se e surgiram os passatempos que nos colam ao sofá, em frente ao ecrã da televisão, com os filhos, bem seguros e fechados no quarto, com as mãos cheias de gadgets que os hipnotizam.
É para recordar o passado no mundo do entretenimento infantil que o núcleo museológico de Alverca reuniu, em exposição pública gratuita, um conjunto de 127 objectos, recolhidos entre a população, doados e do acervo próprio. Maria Jacinta Farinha, de 66 anos, foi uma das colaboradoras. “Trouxe estas bonecas e estes pratinhos”, diz, apontando para um dos expositores. Cacos, empoleirados numa prateleira em miniatura faziam a vez de pratos. “Era preciso imaginação e era tão giro podermos construir os nossos próprios brinquedos”, sorri, com saudade. Qualquer objecto podia servir para brincar: latas vazias transformavam-se em carrinhos; jornais velhos, em papagaios em papel; arames, em rodas; velhas câmaras de ar, em fisgas. Ou, como acrescenta Joaquim Agostinho, “caricas que serviam de faróis nos carrinhos de rolamentos. E éramos felizes assim”, suspira. Foi de certeza nesta altura que se inventou a reciclagem. “Os cacos eram pratos e os restos de tecido serviam para fazer bonecas”, exemplifica Maria Jacinta Farinha. “Estas brincadeiras foram a base da minha aprendizagem”, acredita Joaquim Agostinho. “Tenho a certeza que foi a necessidade que me deu o engenho para ser adulto, de ter uma profissão e de resolver problemas, como arranjar o carro ou uma bicicleta”.
Mas o mundo mudou. Daqui a uns dias, milhões de crianças em todo o mundo irão cumprir o ritual e descobrir o que o pai natal decidiu dar este ano. “No meu tempo”, lembra Maria Jacinta, “era o menino Jesus. Púnhamos um sapatinho junto à lareira, à noite, após fritar as filhoses, e esperávamos que, no dia seguinte, houvesse um rebuçado ou um boneco em madeira. E ficávamos bem contentes!”, termina, soltando uma gargalhada. E hoje será assim tão mau? “Eu acho que as crianças não são piores que no meu tempo”, opina Maria Jacinta Farinha. “Eles brincam e desenvolvem capacidades que eu desconhecia quando era mais pequena. Por isso, não sou contra os brinquedos atuais. O que acho preocupante”, sublinha, “é que as crianças passam cada vez menos tempo na rua”. Para esta ex-telefonista, é fora de casa, junto dos amigos, a caírem, correrem, conversarem e a puxarem pela imaginação que se deveria orientar a geração mais nova. “Mas é complicado quando as ruas estão pejadas de veículos, circular em qualquer sítio pode ser um perigo e os espaços verdes escasseiam”, reconhece.
Com tantos milhões de euros gastos em objectos de plástico, eletrónicos e afins, que saem das fábricas em enormes linhas de montagem, fabricados, por vezes, em países com mão de obra barata, e que depois sugam as almas dos nossos filhos, seria interessante visitar esta exposição e recordar como, antigamente, brincar era uma arte!


Is almost there. The ritual repeats itself if you like it or not. Millions of children around the world will tear wrapping paper apart just to find out who will they receive this Christmas. Only the world of video games turnover more than 100 billion euros worldwide in 2014. Can you imagine that amount of money? It’s the apps and all the paraphernalia of trinkets, from board games to dolls of all shapes and sizes, cars to electronic devices. It is a world full of color, adventure, delight, dreams, passions and invoices that make any parent go crazy. But there are still those who remember the past. For these elderly, yesterday is quite different from today. "Not everyone had money to buy gifts. Once a year, it was in the fair, once a year, that rarely we bought a doll or a car, and nothing else", recalls Joaquim Agostinho, with 71 years old. He has two daughters now and two grandchildren who he plays with a lot, but the contrast is immense. "The four years one, has a huge box of toys," he says, opening his arms way big. "My daughter says they are so many that it loses track of them. The kids today, they have too much" he complains. In 1956, aged 12, he loved doing small mills. Just imagine him next to a brook, at a time when the waters were still crystal clear. For several hours he devoted himself to building a miniature made of rods, sticks and wire. Objects gathered here and there and that he united, thought, imagined and built. He struggled, got it wrong, corrected, tried again and succeeded .... Them he touched it with the fingertips and began to imagine the mill running with water running down the cove to the small bucket causing it to spin. He put the fruit of his labour next to the river creek and saw all his plan into action. His face lit up and his heart jumped faster. Suddenly he remembered that he could produce music, so he cut a small nozzle that pasted along the wheel. Trac! Trac! Trac! And so the minutes turned into hours.
This is a scene painted in black and white for scenario that today we consider unreal. In fact, in just over half a century, the world has changed tremendously. Life habits shaped to the technologies and individual needs: mothers went to work; the school increased workload; the vehicles are in large number; violence and theft scare anyone; parents spend less time at home; and the struggle for life is rampant. The market has adapted and created hobbies that stick us to the couch, in front of the TV screen, with the children, well secured and locked in the room, with a handful of gadgets that hypnotize them.
So we remember the past, a small museum in Alverca, Portugal, is showing a set of 127 old toys collected among the population, donated and of own collection. Jacinta Maria Farinha, 66, was one of the collaborators. "I brought these dolls and these little pieces of braked plates" she says, pointing to one of the exhibitors. "It took imagination and it was so cute that we could build our own toys" she says as she smiles fondly. Any object could be used to play: empty cans were being turned into carts; old newspapers in paper kites; wires on houses; old inner tubes in slingshots. Or, as Joaquim Agostinho adds, "bottles caps served as headlights in carts. And we were so happy”, he sighs. I’m sure that this time was the time when was invented the word recycling. "The shards were dishes and tissue debris served to make dolls", explains Maria Jacinta. "These games were the basis of my learning," adds Joaquim Agostinho. "I'm sure it was the need to produce my own toys, the art and crafts that gave me the skill to be an adult, to have a profession and to solve problems like to fix the car or a bicycle".
But the world has changed. In a few days, millions of children around the world will fulfill the ritual and find out what the Santa decided to give them this year. "In my time" recalls Maria Jacinta, "we called it baby Jesus. We put one shoe by the fireplace in the evening, after preparing the food for Christmas day, and hoped that the next day, there was a candy or a doll made of wood. And we were well pleased!”, she ends with a laugh. And today is that bad? "I think that children are no worse than in my time," believes Jacinta Maria Farinha. "They play and develop skills unknown to me when I was little. So I am not against the actual toys. What I find worrying”, she stresses,"is that children spend less time on the outside". For this former phone operator it’s in the streets, among friends, falling, running, talking and pulling for imagination that should guide the younger generation. "But it's tricky when the streets are littered with vehicles, walking anywhere can be a hazard and the green spaces are scarce", she admits.

With so many millions of dollars spent on plastic objects and crazy useless electronics, fabricated in big plants in huge assembly lines, made sometimes in countries with cheap labor, and then wich suck the souls of our children, it would be interesting to visit this exhibition and recall how, in the past, being a kid and playing was an art!







 

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