O cenário é
apocalíptico. Há uma casa em avançado estado de degradação, alguns carros em
sucata, ervas daninhas espalhadas pela propriedade e um constante ganir e
ladrar. Há sofrimento no ar. Dificilmente alguém diria que um ser humano
poderia habitar naquela propriedade a cheirar a morte. Porém, o terreno situado
perto de Santarém abriga um ex-militar das forças armadas que prestou serviço
no ultramar, na década de 60, e hoje deambula por aí, num estado de dor mental
que só ele entende. Mora ali, sozinho, com cerca de 30 cães a fazer-lhe
companhia. Chica e a mãe são duas cadelas, confinadas a uma lareira,
enclausuradas num recuperador de calor, acorrentadas e fechadas naquele exíguo
espaço de uns centímetros quadrados. Há medo nos olhos delas. Impossibilitadas
de escapar e à mercê do seu dono, temem aquele que deveria ser o seu protetor.
Ao invés, este incute-lhes constantes maus tratos, falta-lhes com comida e há
suspeitas de violência sexual. Informado por vizinhos que testemunham parte da
tragédia, Mário Ferreira, presidente da Animal Angels, uma associação de apoio
a animais abandonados, desloca-se a esta casa onde encontra um panorama horripilante.
Algo a que, infelizmente, já está habituado. “Quase todas as chamadas que
atendo são queixas e pedidos de ajuda”, lamenta. Por isso, as últimas mensagens
na página de facebook da Animal Angels foram de desespero: “estamos lotados! Só com mais adoções teremos espaço para
ajudar mais”. A ajuda surge mas é como as marés. Vem e vai. “A quantidade de
animais que recebo é bem maior do que aquela que dou”.
Os números da Animal
Angels são avassaladores. Só esta associação acolhe mais de 600 animais.
Destes, cerca de 120 são cães e uma centena são gatos. O resto são pássaros de
todo o tipo, porcos, bodes, ovelhas, cavalos (sim, leu bem, cavalos) e até uma
avestruz. “Esta é uma história incrível”, diz Mário Ferreira, apontado para ave
com mais de dois metros de altura. “Uma família de Azambuja decidiu dar de
presente ao filho uma avestruz que ele tanto desejava. A moradia onde viviam
tinha um pequeno quintal e quando ela era pequena a situação até foi engraçada.
O problema foi quando a avestruz cresceu. Era impossível sustentarem o bicho
naquele espaço exíguo”. Os cavalos são outra história. “Acabam abandonados por
ciganos ou por donos de quintas que deixam de pagar a prestação ao banco e são
forçados a abandonar a propriedade”. É daí que surgem muitos destes animais que
são menos comuns em abrigos de animais mas que, ainda assim, existem na Animal
Angels.
O que vale a estas
seis centenas de seres vivos é que existe a Animal Angels e, sobretudo, a
bondade de Mário Ferreira, um veterinário que desde pequeno tem uma paixão
enorme pelos animais. “Dou mais valor a um bicho, seja ele qual for, do que
algo material como um carro ou uma peça de roupa”. A devoção é tal que no seu
30º aniversário os amigos compraram-lhe uma vaca como presente. A Matilde é
agora um animal de estimação como um cão ou um gato o é para a maioria da
população.
Os 30 animais que
estavam na casa do ex-soldado acabaram recolhidos pela Animal Angels. Porém, a
capacidade da associação já foi há muito ultrapassada. “Todos os dias tenho que
recusar chamadas de anónimos que me ligam. Já não tenho capacidade para mais.
Há pessoas que reclamam porque acham que eu tenho a responsabilidade de
recolher animais abandonados na rua. Mas esse trabalho não deve ser meu!”. As autoridades
são incapazes de responder aos pedidos. O caso dos maus tratos na quinta de
Santarém passou impune tal como passam milhares por todo o país apesar de já
existir, desde 2014, legislação que criminaliza
a violência contra animais. O problema é a escassez de meios. Heloísa Apolónia, do Partido Ecológico os Verdes
admite que “sem fiscalização e meios, de pouco servirá a lei", apontando
para a miríade de entidades públicas pelas quais os deveres de fiscalização se
dispersam. Há uns meses, a deputada anunciou uma iniciativa legislativa para
combater essa dispersão. Mário Ferreira reconhece: “muita gente liga para o Serviço de Protecção da
Natureza e do Ambiente (SEPNA) mas o telefone toca durante imenso tempo e
muitas vezes ninguém atende. E quando atendem até resolverem o problema já o
animal morreu de fome ou de dores”.
De facto, o serviço da GNR passou
a receber mais queixas desde a entrada em vigor da lei, porém os efectivos são
os mesmos. Até outubro de 2014, o SEPNA recebia, em média, 41 denúncias por mês.
A partir da criminalização passou a registar 197. O número quintuplicou. Então
como se pode pôr fim ao problema? Para Mário Ferreira a solução está na
esterilização. “É preciso que todos os animais recolhidos sejam de imediato
esterilizados para que se possa quebrar o ciclo. Enquanto os animais se
continuarem a reproduzir sem controlo haverá sempre animais abandonados”,
avisa.
It’s an apocalyptic scene. It’s a house in advanced
state of disrepair, some junk cars, weeds scattered throughout the property and
a constant whining and barking. There is suffering in the air. Hardly anyone
would argue that a human being could dwell on that property. However, the land
situated near Santarem, houses a former soldier of the Portuguese armed forces
who served overseas, in the 60s, and now wanders around in a state of mental
pain that only he understands. He lives there, alone, with about 30 dogs to
keep him company. Chica and her mother are two dogs, confined to a fireplace, chained
and locked in that tiny space of a few square inches. There is fear in their eyes.
Unable to escape and at the mercy of their master, they fear the person that
should be their protector. Instead, he instills them constant ill-treatment,
lacks food and there are suspicions of sexual violence. Informed by neighbors
who witness some of the tragedy, Mário Ferreira, president of Animal Angels, an
association who support homeless animals, goes to the house where he finds a
gruesome scene. Something that, unfortunately, he’s already used to.
"Almost all the calls I get are complaints and requests for help," he
laments. So the latest posts on facebook page Animal Angels were desperate:
"We are crowded! Only with more adoptions we have room for more help",
we can read there. Help comes but it's like the tides. They come and go.
"The amount of animals that I receive are in more number than those I give
away."
The Animal Angels statics are overwhelming. Only this
association hosts more than 600 animals. Of these, about 120 are dogs and cats
are a hundred. The rest are birds of all kinds, pigs, goats, sheep, horses
(yes, you read well, horses) and even an ostrich. "This is an incredible
story," says Mário Ferreira, as he points to bird with over seven feet
high. "A family of Azambuja decided to give his son an ostrich as a
present. The house where they lived had a small yard and when she was little
the situation was funny. The problem was when the ostrich grew. It was
impossible to sustain the animal in that small space." Horses are another
story. "They are just abandoned by gypsies or owners of farms who fail to
pay to the bank and are forced to leave the property”.
But these animals are the lucky ones because they are
all blessed with Mário Ferreira big heart, a veterinarian who since childhood
has a huge passion for animals. "I give more value to an animal, whatever
it is, than something material like a car or a piece of clothing." Such devotion
earned him a big 30th birthday gift. His friends bought him a cow as a present.
Matilde is now a pet like a dog or a cat is for most people.
The 30 animals that were in the house of that former
soldier eventually were collected by Animal Angels. However, the association's
ability has long been exceeded. "Every day I have to refuse anonymous
calls for help. I do not have capacity for more. There are people who complain
because they think I have a responsibility to collect animals abandoned on the
street. But this should not my job." However, the authorities are unable
to respond to requests. The case of mistreatment on that farm, in Santarém,
went unpunished as are thousands of other cases all over the country despite the
new legislation that criminalizes violence against animals. The problem is the
lack of resources. Heloisa Apolonia of the Green Party admits that
"without supervision and means there’s little use of the law,"
pointing to the myriad public entities in which the inspection duties are
disperse. A few months ago, the deputy announced a legislative initiative to combat
this dispersion, but Mário Ferreira acknowledges: "a lot of people call to
the free phone numbers, but the phone rings for a long time and often there’s no
answer and when they reach someone helps arrives when it’s too late”.
In fact, the service of GNR, wich in Portugal takes
care of these complaints started receiving more calls since the new law was
established, but the staff numbers are the same. Until October 2014, GNR
received an average of 41 complaints per month, now there are 197 calls. So how
can we put an end to the problem? Mário Ferreira says the solution lies in
sterilization. "It is necessary that all animals are collected immediately
sterilized so that we can break the cycle. While the animals continue to
reproduce without control there will always be abandoned animals", he
warns.
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